sábado, 6 de novembro de 2010

ATRAÇÃO FATAL - Parte I

Atração Fatal

Uma das questões mais polêmicas da Língua Portuguesa, no Brasil, é a colocação pronominal. Polêmica porque, embora haja regras, nem sempre dão conta dos casos encontrados no dia a dia. Resta, então, recorrer aos especialistas.

No exemplo seguinte, há um curioso caso, que ilustra por que é polêmica a colocação:

Em Copenhague, membros do grupo Socialistas Libertários marcharam com a esquerda autônoma. A manifestação juntou aproximadamente 5 mil pessoas. O tema principal da passeata foi contra a repressão estatal contra os movimentos sociais, com slogans como "Quando a injustiça torna-se a lei, a resistência torna-se um dever" e "Somos todos anti-fascistas". (grifos nossos)

(http://pt.indymedia.org/conteudo/newswire/1307)

Antes de tratar da colocação, é interessante relembrar os três casos possíveis em Português: próclise, mesóclise e ênclise.

Na próclise, o pronome é colocado antes do verbo a que se refere: Ele se feriu. Veja-se que próclise é refere-se à posição do pronome e não constitui, de fato, obrigação. A mesma sentença poderia ser escrita assim: Ele feriu-se.

Na ênclise, o pronome é colocado depois do verbo — Ele feriu-se. — e se liga a esse mesmo verbo com hífen. Outra característica importante da ênclise é a alteração morfológica. Em Ele pretende comprar a camisa do Corinthians, se o objeto direto (a camisa do Corinthians) fosse substituído por um pronome (a), haveria comprá-la. O “r” se torna “l”, numa adequação fonética, e o verbo “comprar”, oxítona terminada em “r”, passa a ser terminado em “a”, o que obriga a acentuá-lo: “comprá-la”. Ênclise é a colocação mais elegante, e preferencial, segundo alguns autores — “Quando não há nada que eufonicamente atraia o oblíquo, deve-se dar preferência à posposição”(Almeida, 2009, p. 492), ou seja, à ênclise.

Na mesóclise, o pronome é colocado “no meio do verbo”, entre hífens — as aspas anteriores se justificam pelo fato de, historicamente, os futuros (do Pretérito e do Presente do Indicativo) serem formados por dois verbos (v.g., amarei = amar + hei, do v. haver), assim o pronome vai entre eles: amará + se = amar-se-á.

Em rigor, há três normas que regem a colocação pronominal: eufonia, atração e distância.

Eufonia é “a qualidade da enunciação agradável ao ouvido”(Camara Jr., 2007, s.u.: eufonia). É mais: “a harmonia, a agrabilidade do som, ou, ainda, a facilidade, a suavidade na pronunciação”(Almeida, 2009, p. 491). É, segundo Almeida, esse o motivo de, em “... porquanto atirá-la-ia...”, o pronome estar mais bem colocado do que em “... porquanto a atiraria...”, mesmo havendo atração na palavra porquanto (Almeida, 2009, p. 495).

Atração é o fato de que, após determinadas palavras, a colocação se mantém em próclise obrigatória ou não. Há, além disso, casos em que a colocação é repelida para depois o verbo ou atraída para depois do verbo.

Distância é o fator que pode eliminar o valor atrativo de uma palavra.

Se entre a palavra de valor atrativo (advérbio, indefinido, relativo, conjunção subordinativa, partícula negativa) e o verbo houver uma locução, um parêntese, uma oração interferente, se, enfim, houver a distância, perderá essa palavra o valor atrativo. (Almeida, 2009, p. 497).

Sobre a atração, cabe, por fim, tratar rapidamente acerca dos casos em que o pronome é repelido. Diante de por e a, os pronomes o, a, os, as são repelidos: “Ele estava por alcançá-lo.”; “Ela estava prestes a deixá-lo”. Também as pausas ( o início de uma sentença, uma vírgula, um ponto final etc.) repelem o pronome para frente do verbo a que ele se liga.

Em resumo: no excerto “Quando a injustiça torna-se a lei, a resistência torna-se um dever”, há uma oração subordinada, iniciada por “quando”, o que, por definição, atrairia o pronome. Assim, a construção correta (até agora) seria “Quando o mandato se refere a...”.

Confirma essa idéia a seguinte explicação:

Observação:

Também aqui a distância que por acaso haja entre a conjunção que introduz a oração subordinada e o pronome continua a exigir a próclise:

Bibiana ficava constrangida quando alguma amiga que a visitava ou cruzava com ela na rua lhe pedia notícias de Rodrigo. ( Érico Veríssimo, apud Bearzoti Filho, 1990, p.48).

Essa mesma explicação justifica, segundo Leme (2008, p. 26 et seqq.), as seguintes construções: “Todas as estatais, coordenadas pela Secom, se juntaram...”, “É preciso que alguém, ou algo, os provoque” — a lista que o autor oferece é longa. Infelizmente, essa explicação derruba a de que as pausas repelem o pronome.

Em seguida, o autor traz mais uma lista (idem, ibidem, pp. 27-8) na qual se encontram exemplos contrários, nos quais a intercalação, ou uma pausa, repelem o pronome. E conclui : “se depois de uma partícula atrativa houver intercalação, pode-se usar, sem medo de erro, também a ênclise ”(idem, ibidem, pp. 28).

Em caminho contrário, Almeida apresenta casos em que, entendida uma pausa não assinalada por pontuação, a atração dos advérbios pode ser desprezada. “Porque hoje pregam-se as palavras...”, “Antigamente pregavam-se as palavras” (Almeida, 2009, p. 497).

Ou seja, a oração “Quando o mandato refere-se a negócios em geral...” pode, sim, ser considerada correta. Principalmente do ponto de vista eufônico, que é um tanto subjetivo e justifica uma série de exemplos que as gramáticas não conseguem explicar em suas definições.

Alguns exemplos colhidos da internet – mesmo sabendo não serem casos exemplares de autores consagrados ... – para ilustrar:

· Quando o pecado torna-se "sagrado"

· Quando medicar um gato torna-se esporte radical...

· MÍDIA E EDUCAÇÃO: Quando a Produção Docente Torna-se um Fazer Midiático

· Quando liberdade de imprensa torna-se liberdade à coerção

· Quando o ceticismo torna-se uma religião

· Quando a pausa torna-se ineficaz no discurso público

· Paraisópolis: quando a pobreza torna-se crime

O assunto ainda não foi encerrado.

Referências

ALMEIDA, Napoleão Mendes de.Gramática Metódica da Língua Portuguesa. 46 ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

BEARZOTI FILHO, Paulo. Sintaxe de Colocação: teoria e prática. 5 ed. São Paulo: Atual, 1990.

CAMARA JR., Joaquim Mattoso. Dicionário de Lingüística e Gramática. Petrópolis: Vozes, 2007.

LIMA, Rocha. Gramática Normativa da Língua Portuguesa. 48 ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2010.

LEME, Odilon Soares. Colocação Pronominal. Barueri: Manole, 2008.

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

A rua, à rua, bem no meio da rua

Há quem critique o uso do “à” com os verbos morar, residir, situar, localizar etc.. E o faz com alguma razão. Além disso, encontra em Napoleão Mendes de Almeida respaldo. E, em certa medida, no Houaiss: se se observarem as entradas desses verbos, os exemplos sempre trazem a preposição em.

Há uma série de gramáticos que defendem o uso do em em vez do a, mas há outra imensa lista que defende o contrário. Há até um ou outro que defende o uso apenas do a, e sobre esses cabe uma palavrinha.

O argumento principal é o de que “morar à rua” é “morar junto da rua”, enquanto “morar na rua” é “morar no meio da rua”. Não é bem assim.

É claro que a mudança das preposições implica, muita vez, alteração de sentido. Criança de rua e criança na rua são duas coisas diferentes. Estar de cama e estar na cama também.

Entretanto, no caso do em/a, o sentido é muito pouco modificado – se realmente o for. A tradição exige em. Indica lugar, não é mesmo? Napoleão (é... estava demorando) traz uma explicação (como sempre) curiosa e pautada em analogias (em seu Dicionário de Questões Vernáculas):

“Se ‘morar na rua Tal’ significa ‘morar no meio da rua’, não poderá ninguém, por coerência com essa pândega [sic!] doutrina, construir: ‘Tenho escritório no largo da Concórdia’, ‘Tal livraria fica na praça da Sé’, ‘Fulano mora na avenida Paulista’. Imaginem-se estas criações parisienses: Tenho escritório ‘ao’ largo da Concórdia, moro ‘à’ avenida Copacabana, tal livraria fica ‘à’ praça da Sé, não existe farmácia ‘a’ esta rua.” (s.u.).

Em contrapartida, o Dicionário de Verbos e Regimes, de Francisco Fernandes, cita Silveira Bueno: “E tomamos a resolução e jamais dizer que a frase corrente: resido à Rua Tal, seja galicismo. ” (s.u., grifo nosso).

O comentário de Bueno coincide com o de Napoleão sobre o galicismo. Na origem, a construção é, sim, um francesismo, e permanece, mais frequentemente, na linguagem jurídica ou técnica. Dificilmente se ouve “moro à rua” no dia a dia. E é uma construção análoga à famosa “àquela hora, estava em sua casa”.

Embora ainda restem defensores do em, pobrezinho do em, fica a impressão de que aquilo que foi galicismo hoje está incorporado. E é bem comum. No fim das contas, mora à rua quem quer.

Tenho certeza de que o Prof. Mané, do Intergraus, resolveria a questão com seu famoso “pode, mas tá errado”. Enfim... Pode usar o à? Pode, mas não deve. E se usar? Tudo bem, não está errado — há uma dezena de especialistas que defendem o uso. Alguém pode torcer o nariz, mas... fazer o quê? É feio, mas tá na moda.

Mandato e Mandado

Da primeira vez que se ouvem, os termos parecem iguais. Depois, ouve-se um “t” ou um “d”, e essas letrinhas mudam tudo. Na TV, por exemplo, a cada dia os termos do Direito encontram espaço para circular. Felizmente. Talvez indique que há conhecimento maior, do público, quanto àquilo de que tratam as leis: o direito.

Infelizmente, ainda escapa a este ou àquele jornalista o cuidado com esse dueto (mandato/mandado).

Ernesto Faria (Dicionário Escolar Latino-Português) apresenta dois verbetes diferentes, com significados diferentes para cada uma das palavras que confundem o dia a dia de tantos brasileiros — e, claro, da mídia. Mandatum (com genitivo em -i) é um substantivo neutro e, principalmente, um termo (também) jurídico. Ou seja, ligado, provavelmente ao Latim mais formal, escrito, por isso mandato manteve sua forma mais próxima da origem. Significa, em Latim, mandato (missão de substituir uma pessoa num negócio, sem contrato, procuração). Daí, em sentido geral: comissão, cargo, mandato.

Mandatus (com genitivo em -us), palavra da quarta declinação latina, é um substantivo masculino, que significa recomendação, mandado. E mais: só ocorre no ablativo.

Antonio Geraldo da Cunha (Dicionário Etimológico Nova Fronteira) só trata do mandato, e ressalta : vem de mandatum, -i.

O bom e velho Saraiva, o Saraivão (Novíssimo Dicionário Latino-Português: etimológico, prosódico, histórico, geográfico, mitológico, biográfico etc. — é exatamente esse o nome do garoto), às informações de Faria acrescenta a origem: de mandare (e, quanto a mandare, afirma vir de manus e dare). Daí, ordenar, mandar etc..

Pode ser que seu laço jurídico — mais formal e, por definição, mais conservador — tenha mantido mandato sem tantas alterações. Mandado, por seu lado, frequentemente usado no ablativo (mandatu), abrandou o “t” e o “u” para “d” e “o”. Tornou-se o mandado, mas manteve, ao menos em parte, o significado original.

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Presidente

Pois é. Dilma venceu.
A primeira polêmica já surgiu: presidente ou presidenta?
O Houaiss aceita "presidenta" como forma correta.

Lexicon, do Aulete digital, tem outra opinião:

PRESIDENTE (OU PRESIDENTA?)
Durante toda a campanha, a cadidata eleita Dilma Rousseff usava em seus discursos o termo presidenta, como forma feminina de presidente. Na verdade, os substantivos e adjetivos de dois gêneros terminados em -ente não apresentam flexão de gênero feminino (e nem masculino, afinal, são de dois gêneros) terminado em -a. Por esse motivo, não se diz "a gerenta", "a pacienta", "a clienta" etc. Caso fosse correto o uso de "a presidenta", por coerência, diríamos que "a presidenta está contenta" e “o presidente está contento”?
A Lexikon saúda Dilma Rousseff como primeira mulher presidente eleita do Brasil, e deseja sucesso em seu governo, para desenvolvimento do Brasil e dos brasileiros.
>> Definição do iDicionário Aulete:
(pre.si.den.te)
s2g.
1. Pessoa que chefia conselho, tribunal, assembleia etc.: presidente da Câmara dos Deputados.
2. O chefe de Estado de um país que adota o presidencialismo (presidente da República)
3. Pessoa que preside a um ato, concurso, empresa etc.: presidente da banca examinadora.
a2g.
4. Que preside, que dirige
[Tb. se usa a presidente.]
[F.: Do lat. praesidens,entis]
Presidente da República
1 Pol. No sistema republicano presidencialista, o chefe do governo e chefe de Estado.
www.aulete.com.br
Gostaria de sugerir uma palavra? Envie um email para sugestao@palavradodia.com.br


Bom, Napoleão Mendes de Almeira (no Dicionário de Questões Vernáculas, s.u.)diz, para variar, que é inaceitável a forma "presidenta". Os motivos são os mesmos apontados pela equipe do Aulete.
O Novo Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto (Portugal), também não registra "presidenta".
Sobrou o VOLP. E ela está lá. Ou seja, oficialmente, há "presidenta" no Brasil, por mais que isso chateie.
Teremos de engolir a "presidenta". Fazer o quê?

sexta-feira, 4 de junho de 2010

La Hundo Kiu Farigis Ŝi Kolbaseton

En la lengvo angla, “hot-dog” estas sandviĉkiu estas farita de du pecoj de pano kaj unu kolbaseton. En portugala lingvo, pro angla lingvo, oni skribas “cachorro-quente” — laŭlitere signifas “hundon varman”.
Kiel traditio, T. A, Dorgan, desegnisto usona, kreis desegno al ĵurnalo N. Y. Times, ĉircaŭe 1900. Tiú desegno alportis kolbason estis farita de karuo hunda.
Alia historio kiu eksplikas originon de “hor-dog” estas em Houaiss, plej respektanda vortaro de la lengvo portugala. En ĝi, oni legas ke la unua okazaĵo restrita aperis dum 1900, kredeble pro komparo kun la hundo bassé.

quinta-feira, 3 de junho de 2010

https://twitter.com/lucianorsegura
"Larápio", em português, significa "gatuno", "ladrão". Há quem acredite, por isso, que L. A. R. Apius tenha a ver com a origem dessa palavra.
Segundo Antenor Nascentes, estudioso e lexicógrafo, Lucio Antonio Rufus Apius (ou Apio)declarava sentenças favoráveis a quem pagasse mais por elas.

“Larápio”, en portugala lingvo, signifas ŝtelisto, fripono. Tial, oni kredas ke L. A. R. Apius possus esti la origino de “larápio”.

La historio de L. A. R. Apius (aǔ Apio) estas unu el diversaj historioj similaj pri sigloj kaj anagramoj kiu originas novaj vortoj. Antenor Nascentes, leksikografo, montras ke Lucio Antonio Rufus Apius, provincestro Romana, dekaris sentencojn favorajn AL kiu pagus pli boné (por la sentencoj). De tié, “LARÁpio”.

O Século da Curiosidade

“Você sabia que muçarela se escreve com ‘ç’?” Vive-se no século da Superinteressante. Nunca antes houve tanta informação à disposição de todos e nunca antes a informação foi tão rapidamente substituída por novas informações – surgidas a cada segundo e veiculadas quase imediatamente.

A maneira superficial como cada notícia é tratada pela mídia indica, obviamente, uma tendência clara à diminuição da qualidade em troca da velocidade. Além disso, destina-se (cada notícia) a um público acostumado às novidades, ao gradual aumento da violência e do sexo nas temáticas abordadas. Um público acostumado a olhar acidentes e a esperar – quase desejar – mortos, em número cada vez maior.

Esse mesmo público está sempre sedento por informação, conhecimento, mas um tipo especial de conhecimento: o rápido. Quer saber quanto tempo uma mosca leva para dar a volta ao mundo, mas não deseja entender os mecanismos que poderiam tornar a tal mosca apta a isso. Quer saber que se escreve “entrega em domicílio”, mas não quer entender por quê. Quer saber que na China se comem cachorros, e que isso é chocante, mas é tudo que deseja saber. O bastante para recontar aos outros, mostrar certo conhecimento especial que lhe garanta a atenção dos 15 minutos. E só.

Vive-se numa época em que a curiosidade – uma qualidade indiscutivelmente importante – voltou-se para a aquisição de qualquer informação inusitada, digerida e, muita vez, inútil. Por que isso aconteceu? Porque a mídia descobriu que, quanto mais inusitada ou curiosa for a informação, maior o tempo que o telespectador ficará disposto a vê-la. Entretanto, não pode ser por muito tempo, porque ele se cansa logo, então deve haver mais e mais curiosidades, acidentes, cacetadas, perseguições policiais (editadas, é claro), enfim, vídeos incríveis. Ou viagens a lugares distantes, com imagens lindas e uma narração bem melosa ao fundo.

Tudo isso contrasta com o outro fenômeno nacional, o BigBrother. Lá, a informação inexiste. Há a tediosa seqüência de brigas (simuladas, talvez) entre um grupo de pessoas rasas, vazias, plenamente conscientes de que estão submetidas a uma experiência e – diferente do que parece ter acontecido nas primeiras quatro ou cinco edições do programa – conscientes de que podem tentar manipular o público com o que chamam de “jogar”. A informação é substituída pelo desejo de saber curiosidades sobre cada um dos insossos participantes. Saber sobre a vida deles, acompanhar as intrigas de uma novela sobre a qual se tem poder (será?) de decidir sobre o destino das personagens : isso basta ao superinteressante público.

Obviamente, condenar esse público é ser injusto. Criou-se o público assim. Condicionou-se o público a, gradualmente, manter-se sedento por informações que se tornem polêmicas, interessantes, discutíveis. Superinteressantes. Para esse público, as apresentações feitas em PowerPoint garantem atenção. Circulam, por isso, várias com os também variados temas – veja como são as geleiras!, olhe os acidentes de trânsito!, seja gentil com as taturanas!

Mais ainda: vê-se a moda do conselhismo. Todos se acham autoridade sobre algum assunto, ao menos o bastante para enviar vídeos ou imagens que ordenem “faça isto ou aquilo” – ou, como já cantou Pitty, em Admirável Chip Novo, “Pense, fale, compre, beba\Leia, vote, não se esqueça\Use, seja, ouça, diga...”. Não é preciso informação real para produzir uma dessas apresentações, basta que se tenha um problema a se apresentar, uma boa dose de emoção e algum fundo musical. Suficiente para que seja infinitamente repassada às demais vítimas emocionadas com o que se fez.

A história da informação, no Brasil, caminha aos passos da Revista Superinteressante. Ou da Galileu, quem sabe? Houve um tempo em que essas revistas traziam matérias seríssimas, completas, ricas. Depois, voltaram-se para um público jovem, não para o público jovem. Um público jovem que só quer saber sobre curiosidades de um mundo estranho. Houve uma época em que havia páginas de texto e uma ou outra foto. E os textos eram excelentes. Hoje, há páginas de fotos e um ou outro texto. E as fotos são excelentes. Se uma foto vale mais que mil palavras... este é o caminho certo. Porque as pessoas aprenderam a não ler e a não pensar – mas admiram fotos.

terça-feira, 1 de junho de 2010

TWITTER

https://twitter.com/lucianorsegura

Tirar o cavalinho da chuva

Antaö nelong, rekomencis la studo pri Esperanto, tial, mi petas, vi pardonu miaj eraroj.

Laj tekstoj kiu mi plublikigis îi tie estas frukto de laboro en 'Discutindo Língua Portuguesa' (en la revuo “Lingvo Portugala Pridiskutatas”, aö io tiel).

En Portugalo, ekzistas la parolo "tirar o cavalinho da chuva", “fortiri la îevaleton de la pluvo”, kiu signifas “rezigni; ne plu daörigi” aö “mi ne faros kiu vi deziras aö petas”. Trovi originon de paroloj samekiel îi tie estas îiam problemo. Oni kredas ke la originon estus konduto tre ordinara en laj varoj kaj farmodomoj: kiam bienmastro estis frekventita de iu, la bienmastro lasis ke la vizito ligus la îevaleton en la plektobarilo; kiam bienmastro estis frekventita de amiko, tamen, tiu povas fortiri la îevaleton de la pluvo kaj gardi ûin en la stalo. Tio signifis ke la vizito estis bonvena — kaj tio ankaö signifas ke bienmastro deziris ke la vizito restus dum kelka tempo, dum longa tempo.




Antaux nelong, rekomencis la studo pri Esperanto, tial, mi petas, vi pardonu miaj eraroj.
Laj tekstoj kiu mi plublikigis cxi tie estas frukto de laboro en Discutindo Língua Portuguesa (en la revuo “Lingvo Portugala Pridiskutatas”, aux io tiel).


En Portugalo, ekzistas la parolo tirar o cavalinho da chuva, “fortiri la cxevaleton de la pluvo”, kiu signifas “rezigni; ne plu dauxrigi” aö “mi ne faros kiu vi deziras aux petas”. Trovi originon de paroloj samekiel cxi tie estas cxiam problemo. Oni kredas ke la originon estus konduto tre ordinara en laj varoj kaj farmodomoj: kiam bienmastro estis frekventita de iu, la bienmastro lasis ke la vizito ligus la cxevaleton en la plektobarilo; kiam bienmastro estis frekventita de amiko, tamen, tiu povas fortiri la cxevaleton de la pluvo kaj gardi gxin en la stalo. Tio signifis ke la vizito estis bonvena — kaj tio ankaux signifas ke bienmastro deziris ke la vizito restus dum kelka tempo, dum longa tempo.
Antaux nelong, rekomencis la studo pri Esperanto, tial, mi petas, vi pardonu miaj eraroj.

Laj tekstoj kiu mi plublikigis cxi tie estas frukto de laboro en Discutindo Língua Portuguesa (en la revuo “Lingvo Portugala Pridiskutatas”, aux io tiel). (Cxi tie skribo estas tre stranga...)

sexta-feira, 7 de maio de 2010

O dito pelo não dito

É curiosa a capacidade humana de ouvir e reinterpretar palavras e

expressões a ponto de transformá-las em frases absurdas e engraçadas

O processo pelo qual passam algumas expressões populares – modificadas muitas vezes por um ouvinte desatento – é um dos mais curiosos fenômenos da língua. Ele mostra como as mensagens dependem tanto de quem as emite quanto de quem as recebe. Um caso interessante é o que deu origem à famosa expressão “cuspido e escarrado”.

Há quem diga que veio de “esculpido e encarnado” e – por causa do “telefone-sem-fio” da linguagem do dia-a-dia – virou “cuspido e escarrado”. Nem faz, aliás, muito sentido dizer que um filho teria sido “cuspido e escarrado à imagem do pai”, não é? Esculpidas e encarnadas, por outro lado, seriam as imagens de santos nas igrejas. Esculpidas e perfeitas – quase como re-encarnadas.

Outra corrente defende que a expressão teve origem em “esculpido em carrara”. “Carrara” pode fazer referência à perfeição das esculturas de Michelangelo, pois é o nome de uma localidade na Toscana, Itália, cujo mármore de excelente qualidade, que ali se encontra em abundância, teria sido bastante usado pelo célebre escultor da Pietà.

Do mesmo modo que as teorias sobre a semelhança são aceitáveis, ainda é possível que “cuspido e escarrado” tenha outras explicações. O dicionário Houaiss chama a atenção para o fato de que existem expressões próximas àquela em Francês tout craché (“todo escarrado”); em Italiano nato e sputato (“nascido e escarrado”); e em Inglês spit and image of ou the spitting image of (“o cuspe e a imagem de” ou “a imagem cuspida de”).

Sobre isso, Alain Rey e Sophie Chantreau afirmam, no Dictionnaire des Expressions et Locutions (“Dicionário das Expressões e Locuções”), haver clara relação entre esses termos e sua ocorrência em vários idiomas. Para os autores, o ato de cuspir, em muitos povos, significa a criação, a geração. Por extensão, também se ligaria à fala: “nesse plano, tout craché corresponderia a ‘que se pode exprimir ou descrever de maneira idêntica’ ”.

Trocando de biquíni

Não é impossível que esse processo de substituição de palavras por semelhança sonora tenha ocorrido. Todos os dias nos deparamos com novos exemplos. Quem não se lembra da canção Noite do Prazer, de Cláudio Zoli? Na letra original, lia-se “Na madrugada, a vitrola / rolando um blues, / Tocando B. B. King sem parar”. Mas muita gente, na pista de dança ou do meio da platéia, no show, cantava (e ainda canta): “Na madrugada a vitrola rolando um blues / ‘Trocando de biquíni’ sem parar”.

E Lágrimas de Chuva, do grupo Kid Abelha? De “Eu dou plantão dos meus problemas / Que eu quero esquecer”, tornou-se “Eu ‘tô plantando’ meus problemas / Que eu quero esquecer”. Em Homem Primata, dos Titãs, o verso “Homem primata / capitalismo selvagem” ou “Homem primata / ‘capitaliza’ o selvagem”. “Só love, só love”, de Claudinho e Buchecha, se transformou, com um pouco de imaginação, em “Salário, salário”. Os versos “Brasil, meu Brasil brasileiro / Meu mulato inzoneiro / Vou cantar-te nos meus versos” de Aquarela do Brasil, de Ari Barroso, também sofreram modificação ao tornarem-se “Brasil, meu Brasil brasileiro / Meu mulato ‘estrangeiro’ / Vou cantar-te nos meus versos” – “inzoneiro” é aquele “que ou quem é sonso, manhoso; enredador”, segundo o Houaiss.

E dói o ouvido...

Nem sempre, porém, essas releituras são incorretas ou distantes do original por acidente ou erro do ouvinte. Adoniran Barbosa – redescoberto e revisitado ultimamente – brincava de maneira excepcional com o que as pessoas falavam no dia-a-dia.

Tiro ao Álvaro

De tanto levar “frechada” do teu olhar

Meu peito até parece sabe o quê?

“Tauba” de tiro ao “álvaro”

Não tem mais onde furar

Teu olhar mata mais do que

Bala de carabina

Que veneno estricnina

Que peixeira de baiano

Teu olhar mata mais que

Atropelamento de “automóver”

Mata mais que bala de revólver

Essa é nossa curiosa arte de ouvir (mal). Ouvimos o que se aproxima de uma palavra que faça sentido, quando faz... Quando não faz, vai assim mesmo. Não é verdade? Vejamos o exemplo da participante do Big Brother Brasil 4, Solange.

Em 1985, We Are the World, música escrita por Michael Jackson e Lionel Richie, comoveu o mundo para arrecadar fundos na luta contra a fome na África. We Are the World virou “Iarnuô” na boca de Solange; aliás, sua versão não foi a primeira. Houve, por exemplo, uma paródia produzida pelo programa norte-americano Saturday Night Live, chamada I’m Also the World, cantada por Prince, então concorrente de Michael pelo título de rei do pop. Entre tantas paródias da canção, ninguém esquece a brasileira: “E arde o olho / e dói o ouvido...”

Ainda no rol das músicas, também é vítima o nosso Hino Nacional. Quem ainda não ouviu as mais loucas frases surgidas durante sua execução? “ ’Elvira’ do Ipiranga as margens ‘flácidas’ “ e “ Verás que um ‘filisteu’ não foge à luta”. Já prestaram atenção no que muitos jogadores da seleção cantam? “’Virundum’ Ipiranga margens plácidas” ou “’Ouviro’ do Ipiranga”, “do que a terra ‘margarida’ / conseguimos conquistar com ‘braços fortes’”, etc. Todo dia, milhares de brasileiros colaboram para incrementar o “cuspido e escarrado” do que ouvem (ou pensam que ouvem), e transmitem aos outros.

Dor no figo

Nem sempre temos documentos, como é o caso das músicas, para comprovar a origem de alguma expressão. Existem casos em que a mensagem original é modificada de tal forma que o significado da expressão acaba sendo alterado. Por exemplo, “quem não tem cão caça como gato” – ou seja, sozinho, assim como caçam os gatos – virou “quem não tem cão caça com gato”, que significa “quando não se tem algo melhor, usa-se o que se tem”.

Houve, evidentemente, mudança completa quanto ao sentido que se queria transmitir. Assim como “cor de burro quando foge”, “batatinha quando nasce / se esparrama pelo chão” e “quem tem boca vai a Roma” podem não ter vindo de “corro de burro quando foge”, “batatinha quando nasce / espalha a rama pelo chão” e “quem tem boca vaia Roma”. Esta última expressão, por sinal, traz certa polêmica, porque há registros mais aintigos identificando “quem tem boca vai a Roma” como original. Há, curiosamente, explicações que buscam justificar as duas. Isso não ocorre apenas com expressões. As palavras também sofrem tal processo. Difícil é justificá-lo.

Fígado, por exemplo, vem de ficatus. E ficatus, de ficus, o nosso “figo”. Tanto na Grécia antiga quanto em Roma, era uma iguaria o fígado de aves forçadas a alimentar-se com grandes quantidades de figo. Em grego, hepar sukoton significa o mesmo que iecur ficatum. Iecur não resultou diretamente em “fígado”, ainda que exista “jecoral”. Mas sua versão grega, hepar, formou algumas palavras da linguagem médica, como “hepático”, “hepatite”, etc. O processo de formação de “fígado”, para nossa língua, é relativamente simples: iecur figatum, ficatum e, finalmente, “fígado”. Encontram-se, em outras línguas, as formas hígado (Espanhol), fégato (Italiano) e figido / foie (Francês).

SEGURA, Luciano Ricardo. “O dito pelo não dito”. Discutindo Língua Portuguesa, São Paulo, n. 5, p. 34-36, jul. 2006.



Ditados Populares

Ditados Populares
O Governo brasileiro recentemente aprovou e lançou a Agenda Social Quilombola. A medida ainda pode causar alguma discussão, porque toca em questões polêmicas de nossa sociedade. Provavelmente vinda do quimbundo, Kilombo quer dizer acampamento, mas durante os séculos XV a XVII assumiu também a conotação (não só no Brasil) de organização e, muitas vezes, exército. Em tais organizações, viviam os escravos fugidos.
Do latim eclavus, significava, originalmente, eslavo. Curiosamente, ainda hoje, em inglês, há a palavra slave para escravo. A existência de escravos foi proibida em 1888, com a Lei Áurea, e desde então não mais existiram escravos em território nacional. Há, sim, cárcere de regime privado em situação similar à da escravidão. E muito.
Durante sua vigência, a escravidão serviu – também – para forjar a mentalidade que recorrentemente encontra espaço na vida moderna, mesmo que tal mentalidade seja punível por lei e permanece, pelo bom senso, banida. Há algumas edições, o fazer nas coxas foi abordado aqui. Ele, dentre tantos outros, evidencia a tradição – nem sempre consciente por parte do falante – de desvalorização de etnias diferentes da branca.
Restam, por isso, em nossa fala do dia-a-dia, heranças racistas, preconceituosas, até mesmo em nossos ditados. Diz-se “preto de alma branca” àquele que receberia o mérito de ser “uma pessoa de bem”. Felizmente, diz-se cada vez menos. Parece, contudo, haver alguma confusão entre a etnia e a cor. Historicamente, na sociedade ocidental, a ausência de luz, a escuridão, representou, por muito tempo, o desconhecido e o assustador. Sociedades primitivas aprenderam a temê-lo, a temer a negra noite que se abatia sobre todos. É difícil saber se isso pode soar ofensivo a alguém, já que não se busca o demérito pessoal.
O mesmo se aplicaria a outras expressões, como mulata e denegrir, já há algum tempo banidas do vocabulário politicamente correto. Parece haver um abismo entre o que se quer dizer hoje e a origem etimológica dos termos. Se mulata veio de mula, obviamente depreciativo e ofensivo, dizer que o desfile de mulatas seria uma ofensa ou que Sargentelli (1924-2002) tenha pensado de maneira racista sobre suas mulatas também poderia ser algum exagero. Há, de fato, uma cordilheira separando a palavra da intenção com que é usada. Sempre. Palavras mais racistas são, de fato, aquelas usadas para agredir.
Evidentemente, não haverá lei que mude isso. A propagação desse pensamento cessará à medida que os falantes percebam o quanto ferem seus semelhantes usando-a. Uma cartilha, como a do Politicamente Correto, proposta há alguns anos, não muda a situação, que é um problema cultural.
Deve-se pensar na intenção do que se fala. A intenção, sim, pode ser a maior prova de um povo racista, dizendo haver sido serviço de preto uma tarefa mal executada. Mas não só. O olha a cor do cara que se ouve dito baixinho, aqui e ali, motivo de riso, é também a cruel marca de um povo racista. Pior ainda: a aceitação social a esse tipo de brincadeira(?) se dá de tal forma que legitima o ato. E o racismo.
E mais: diferente de tantas outras expressões tratadas aqui, essa é bem recente. E mostra que nossa herança racista não se manifesta somente em resquícios da escravidão (como o feito nas coxas) : produz filhotes todos os dias e está aí para quem quiser – ou puder – ver.
Se os escravos tiveram participação importante na formação de muitas expressões populares, o que dizer da Igreja? Desde santo do pau oco (cf. DLP 5), sobre os santos usados para o tráfico de mercadorias, até o famoso conto do vigário, muitos são os ditos populares que tratam do tema.
Conto do vigário, por exemplo, segundo a tradição, diz respeito a uma disputa entre duas paróquias. Cada uma delas desejava receber uma imagem doada à comunidade, mas só uma poderia tê-la. Dois vigários então concordaram em deixar que a mão de Deus decidisse. Amarraram um burro entre as duas paróquias e aquela para qual ele fosse receberia a imagem. O caso virou conto do vigário quando se descobriu que o vigário houvera treinado o animal para que se dirigisse a sua igreja.
Trazer apenas ditados que critiquem membros da instituição pode até ser divertido – e é... –, mas é melhor deixar à Bússola Dourada a tarefa das críticas. Até porque, esse assunto vai tão longe que é possível chegar ao lugar onde Judas perdeu as botas. A expressão, bem mais recente, é (talvez) uma brincadeira com as imagens de Judas Iscariotes, o famoso traidor de Jesus. Recentemente revisitado em seu “Evangelho”, Judas nunca usou botas (que só surgiram na Idade Média). Freqüentemente, quando há sua representação com tais calçados, o objetivo é indicar os muitos caminhos da Terra por onde caminhará até o dia do Juízo Final. Essa é, por sinal, uma das muitas lendas que coincidiram com a cristalização da lenda de Drácula (cf. Lendas Urbanas...). Muita gente não acredita nisso. Outros, só acreditam vendo... (cf. BOX SANTOMÉ).


BOX São Tomé
Esta expressão, Só acredito vendo, tem raiz na Bíblia, em João 20 (24-29), quando São Tomé (do aramaico Tau'ma, gêmeo – e é melhor nem se perguntar por quê...), ao encontrar com os outros discípulos de Jesus, que lhe contaram sobre a ressurreição de Cristo, disse “Se não vir nas suas mãos o sinal dos pregos, e não puser o dedo no lugar dos pregos, e não introduzir a minha mão no seu lado, não acreditarei!”. O relato bíblico desse passo termina com o comentário de Cristo acerca da crença de São Tomé: “Porque me viste, acreditaste. Felizes os que não viram e acreditam...”.

Chegou mamado

A Lei seca, em vigor em São Paulo, trouxe a discussão sobre direitos e responsabilidades do cidadão. Sob críticas, a lei persiste, evitando que motoristas mamados dirijam. Esse termo, que significa embriagado, já foi usado por Gregório de Matos, nas Décimas, XLIX), no século XVIII:

4 Estava eu de uma grimpa
vendo a caça por extenso,
não a fez limpa Lourenço,
e só a porca a fez limpa:
porque como tudo alimpa
de cães, e toda a mais gente,
Lourenço intrepidamente
se pôs, e ao primeiro emborco
mão por mão aos pés do porco
veio a cair sujamente.


5 Tanto que a fera investiu,
tentado de valentão
armou-se-lhe a tentação,
e na tentação caiu:
a espada também se viu
cair na estrada, ou na rua,
e foi sentença comua,
que nesta tragédia rara
a espada se envergonhara
de ver-se entre os homens nua.

6 Lourenço ficou mamado,
e inda não tem decidido
se está pior por ferido
da porca, se por beijado:
má porca te beije — é fado
muito mau de se passar,
e quem tal lhe foi rogar,
foi com traça tão sutil,
que a porca entre Adônis mil
só Lourenço quis beijar.

Mamado, bêbado ou até trêbado fica mesmo quem enche a cara de cachaça. A marvada, a água-que-passarinho-não-bebe, a pinga, a cachaça… a bebida que tem mais nomes que o Cão é nacionalmente conhecida e apreciada. Hoje, até mais: uma iguaria exportada e muito bem recebida. Já foi homenageada com músicas – talvez a mais curiosa seja a Pinga ni mim, de Teodoro e Sampaio – em que não se pode deixar de notar um ambigüidade bem engraçada. Aquela bebida “de muitos nomes” tem alguns apelidos bem curiosos: ana, uca, gole, bafo, quente, caninha, branquinha, leite-de-cana, suco-de-cana, perseguida, anjinho, mel, água, pura, goro, cobertor de pobre, aquela que matou o guarda, trinca, aguardente, mardita, tome-juízo, girgolina ou, simplesmente, “uma”.

A origem do nome “pinga” vem do tempo dos engenhos. Era a bebida que pingava do caldo das canas. Fermentada, pingava dos alambiques gotejando bem amarela. Cachaça, por outro lado, é um problema. Há quem diga que a expressão vem de cacho, de frutas, algo que em Portugal deu à palavra cachaça o significado de vinho de borra. Por extensão, teria vindo ao Brasil para significar o “vinho” da cana. Há também que a associe a cacho, do latim capulus, punhado, agrupamento de frutos ou flores. Outros a associam ao latim vulgar cacculus, tacho, caldeira.

Adeus à Favela

O jornal O Estado de S. Paulo (4/08/08), trouxe a notícia de que um quarto da população da cidade de São Paulo vive em favelas. Favela é o nome que se dá à “moradia improvisada”, em que residem pessoas de baixa renda. Quando Antonio Conselheiro foi cercado, os militares se mantiveram no alto da favela. Por causa do nome das plantas (arbustos ou árvores) da região (geralmente Cnidosculos phyllacanthus ou Jatropha phyllacanta, euforbiácias – do grego euphor-, “bem nutrido”) , conhecido pelos praças, o arraial foi batizado como favela, nome que se espalhou rapidamente e hoje é aplicado às construções improvisadas.
Se antigamente o termo favela dizia respeito às casas distantes dos centros, em São Paulo, por exemplo, esse cenário mudou. Hoje, as favelas se integraram até aos “bairros nobres”, e se fundem num marar de moradias. As favelas de Conselheiro estavam entre a caatinga e o agreste; as de hoje demarcam a diferença de mundos que separa ricos e pobres e mostra uma terrível situação social brasileira.
Essa situação pode ser mudada – queiramos acreditar… -- com as eleições deste ano. Ninguém espere a solução para todos os problemas, mas é preciso começar a agir. E, mais do que em qualquer outro momento, é preciso fugir dos enganos. Chega de comprar gato por lebre.
A expressão anterior diz respeito a alguns momentos bem interessantes da história. No século XIX, por exemplo, houve, em Coimbra, uma “caçada”, promovida por estudantes, cuja finalidade era… culinária. Em 1871, com os cercos militares a Paris, o gato era servido e muito apreciado. Sobre esse curioso paladar, Câmara Cascudo (Locuções Tradicionais do Brasil) conta que “lebre é pouco apreciada pelo paladar brasileiro. O gato é, quantitativamente, muito mais saboreado, na veracidade da espécie, sabendo-se o que se come.” Se isso ainda vale, em grandes cidades, como a de São Paulo, os moradores podem – com o perdão da brincadeira --, usando uma expressão felina, deitar e rolar, pois há comida de sobra. Camões, em seu Enfatriões, muito antes disso já trazia a expressão, nas falas de Brómia.

Brómia:

«Voyme a tierras estrañas
adó ventura me guia.»
Vai se Brómia e diz Feliseo:

Fantesias de donzelas,
não há quem como eu as quebre,
porque as quebre,
porque certo cuidam elas,
que com palavrinhas belas
vos vendem gato por lebre.

Esta tem la pera si
qu'eu sou por ela finado;
e crê que zomba de mim
e eu digo lhe que sim,
sou por ela esperdiçado.

Por que cargas d’água ainda existem tantas favelas ou por que cargas d’água os governantes demoram tanto a entender que o problema é gravíssimo? Essas são perguntas difíceis de responder. Cargas d’água, por outro lado, em Infermidades da Língua, de Manoel Joseph Payva, tem explicação mais simples. Diz respeito às chuvas violentas e inoportunas, às vezes imprevistas, que chegam com força e trazem uma idéia negativa e fortuita. A expressão já fora registrada em 1618, por Jorge Ferreira de Vasconselos. Depois que a expressão encontra lugar e aceitação popular, adeus.
Adeus, por seu lado, vem da redução de “entrego-te a Deus”, “encomendo-te a Deus”, usada em situações de despedida.

Dar trabalho e receber salário

"Maldito é o solo por causa de ti! Com o sofrimento dele te nutrirás todos os dias da tua vida. Com o suor do teu rosto comerás teu pão, até que retornes ao solo, pois dele foste tirado. Pois tu és pó e ao pó tornarás." (Gen, 3:17-9)

Após ler Gênesis, tem-se a impressão de que o trabalho não começou bem. O trabalho foi a primeira punição. “A prova de que o destino do homem era a vagabundagem é que Deus só falou em trabalho depois que o home comeu a maça”, escreveu Millôr Fernandes, em A Bíblia do Caos. Millôr brinca um pouco mais. Ao trecho Com o suor do teu rosto comerás teu pão, até que retornes ao solo, pois dele foste tirado, completou: "E todo mundo come o pão com o suor do padeiro".
Do francês travailen (por volta de 1300 d. C.), em 1375 travel significava “viagem”. Originalmente, seu significado era “to toil, labor”, “trabalho”. Em inglês ainda há travail, também vindo do francês (por volta de 1250 d. C.), significando “tormento”, “sofrimento” e “problema”. A explicação parece ser a dificuldade de se fazer uma viagem durante a Idade Média. Qualquer viagem seria sofrível, penosa, dolorosa, quase uma tortura por meio do Tripalium.
Tripalium, literalmente “três paus”, era um instrumento usado para torturar. Ao menos é isso o que afirmam os estudiosos acerca desse instrumento sobre o qual muito pouco se sabe. Há quem diga que se trata de três estacas sobre as quais se rasgavam a casca das espigas de milho. Alguns dizem que as estacas podiam ter pontas de ferro. Para a maioria, contudo, trata-se de um instrumento composto de três estacas usado para tortura. Muito mais do que isso não se sabe, a não ser que o tripalium pode ter sido a origem de trabalho. Não trabalhar é algo que merece punição. Ao menos um puxão de orelhas.

Adoniran, em Conselho de Mulher, dá uma outra idéia para a origem do trabalho:
"Quando Deus fez o homem/ Quis fazer um vagolinho que nunca tinha fome/ E que tinha no destino/ Nunca pegar no batente/ E viver folgadamente/ O homem era feliz enquanto Deus ansim quis/ Mas depois pegou Adão/ Tirou uma costela e fez a mulher/ Desde então o homem trabalha pr'ela/ Vai daí, o homem reza todo dia uma oração: 'Se quiser tirar uma coisa de bão/ Que me tire o trabalho/ A mulher não'/ Progréssio, Progréssio/ Eu sempre escuitei falá/ Que o progréssio vem do trabaio/ Então amanhã cedo nóis vai trabaiá/ Progréssio/ Quanto tempo nóis perdeu na boemia sambando noite e dia/ Cortando uma rama sem parar/ Agora escuitando os conseio da mulhé/ amanhã vou trabalhar/ se Deus quiser/ (breque) Mas Deus não qué". (Conselho de mulher - Adoniran Barbosa, Oswaldo Moles e João B. Santos, 1953)
Esse pensamento não está completamente infundado – espera-se que as feministas aguardem um pouco até o fim da sentença... – porque traz à luz uma idéia muito particular ligada ao trabalho: encrenca, cansaço, problema. No Houaiss, uma das idéias ligadas a essa palavra é “dar trabalho” (uma das 28 acepções, vale lembrar). Mais uma vez, um trabalho visto negativamente.
Mas não é sempre assim: Vergílio diz que "o trabalho perseverante vence todos os obstáculos."; para Fernando Soares, "o trabalho é o grande libertador do homem; só a ociosidade o escraviza.". Quanto a Voltaire, "o trabalho nos livra de três grandes males: o tédio, o vício e a pobreza.", algo tão importante quanto para Sêneca, para quem “o trabalho é o alimento das almas nobres”. Encontrar citações sobre o trabalho é uma das tarefas mais fáceis do mundo, já que, certamente, todo mundo, alguma vez, já falou sobre isso. Quase sempre sem grande entusiasmo, como o fez Lincoln, ao dizer "Meu pai ensinou-me a trabalhar, mas não me ensinou a amar o trabalho.".
É evidente que a maneira como cada um interpreta o trabalho depende de vários elementos. A ideologia que cerca uma sociedade tem inegável papel (e culpa) nisso. E é por isso mesmo que o desempregado se sente mal, sente-se inferiorizado, culpado até, pois não faz parte do mercado. Culpado por não trabalhar muito, ganhar pouco e sobreviver com uma parcela ínfima do valor de sua produção. Por isso mesmo “aqueles que não precisam de trabalhar chamam o trabalho de virtude para enganar quem trabalha.", disse Santiago Rusiñol y Prats (1861-1931), escritor, pintor e ator espanhol.

EXPRESSÕES DO TRABALHO

Trabalha o feio para o bonito comer
É o que se diz quando há injustiça. Tem significado semelhante a “os tolos constroem as casas e os sábios moram nelas” e “o prato não é para quem o faz, mas para quem o come”.

Trabalhar como mouro / trabalhar como escravo
Durante a reconquista da Península Ibérica, vários mouros foram submetidos ao cativeiro e à escravidão. Presos, realizavam trabalhos forçados.

Trabalho das parcas
Na mitologia grega, as três parcas (Cloto, Láquesis e Atropos) teciam a trama da vida humana.

Trabalho de Sísifo
Também na mitologia grega há a história de Sísifo, rei de Corinto e filho de Éolo, deus dos ventos. (Há versões em que seria pai de Ulisses e filho de Autólico). Sísifo teria sido um péssimo exemplo de governante: tirano, corrupto, avarento. Por isso, fora condenado, no mundo das sombras, a pagar por seus crimes na superfície. Deveria rolar uma enorme pedra até o topo de uma montanha. Ao chegar lá, a pedra escorregaria e desceria, para ser novamente rolada até o topo. Assim o castigo não teria fim.

Trabalhar para o bispo
Aqui o trabalho não tem o significado exato de punição, mas o de tarefa. Pior: tarefa sem recompensa. Para essa expressão há diversas variações. João Ribeiro, em Frazes Feitas, diz originar-se na Idade Média essa expressão, irmã de trabalhar para o rei da Prússia (travailler pour le roi de Prusse) e pescar para o cônsul (pescare pel consul), cujos siginificados sempre coincidem com “trabalhar sem receber” ou “trabalhar sem lucro, sem glória”.

Ditos populares:
Madruga e verás; trabalha e terás.
Quem não trabalha, não come.
Quem se mete em atalhos não se livra de trabalhos.
Só trabalha quem não sabe fazer mais nada.
Trabalho dá saúde.
Trabalho de menino é pouco, quem não o aproveita é louco.
Trabalho não mata ninguém.
Trabalhando só pelos bens materiais construímos nós mesmos nossa prisão.


ORELHA

Machucar as orelhas é uma das punições mais antigas. Lê-se, na Bíblia, o caso de um escravo que teve sua orelha furada para mostrar indicar que era escravo (Êx., 21,6). Conta-nos Câmara Cascudo, em seu Locuções Tradicionais do Brasil, que em Roma os depoentes eram arrastados ao tribunal pela orelha, e que na Espanha já foi costume cortar as orelhas dos ladrões.



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