sexta-feira, 7 de maio de 2010

Ditados Populares

Ditados Populares
O Governo brasileiro recentemente aprovou e lançou a Agenda Social Quilombola. A medida ainda pode causar alguma discussão, porque toca em questões polêmicas de nossa sociedade. Provavelmente vinda do quimbundo, Kilombo quer dizer acampamento, mas durante os séculos XV a XVII assumiu também a conotação (não só no Brasil) de organização e, muitas vezes, exército. Em tais organizações, viviam os escravos fugidos.
Do latim eclavus, significava, originalmente, eslavo. Curiosamente, ainda hoje, em inglês, há a palavra slave para escravo. A existência de escravos foi proibida em 1888, com a Lei Áurea, e desde então não mais existiram escravos em território nacional. Há, sim, cárcere de regime privado em situação similar à da escravidão. E muito.
Durante sua vigência, a escravidão serviu – também – para forjar a mentalidade que recorrentemente encontra espaço na vida moderna, mesmo que tal mentalidade seja punível por lei e permanece, pelo bom senso, banida. Há algumas edições, o fazer nas coxas foi abordado aqui. Ele, dentre tantos outros, evidencia a tradição – nem sempre consciente por parte do falante – de desvalorização de etnias diferentes da branca.
Restam, por isso, em nossa fala do dia-a-dia, heranças racistas, preconceituosas, até mesmo em nossos ditados. Diz-se “preto de alma branca” àquele que receberia o mérito de ser “uma pessoa de bem”. Felizmente, diz-se cada vez menos. Parece, contudo, haver alguma confusão entre a etnia e a cor. Historicamente, na sociedade ocidental, a ausência de luz, a escuridão, representou, por muito tempo, o desconhecido e o assustador. Sociedades primitivas aprenderam a temê-lo, a temer a negra noite que se abatia sobre todos. É difícil saber se isso pode soar ofensivo a alguém, já que não se busca o demérito pessoal.
O mesmo se aplicaria a outras expressões, como mulata e denegrir, já há algum tempo banidas do vocabulário politicamente correto. Parece haver um abismo entre o que se quer dizer hoje e a origem etimológica dos termos. Se mulata veio de mula, obviamente depreciativo e ofensivo, dizer que o desfile de mulatas seria uma ofensa ou que Sargentelli (1924-2002) tenha pensado de maneira racista sobre suas mulatas também poderia ser algum exagero. Há, de fato, uma cordilheira separando a palavra da intenção com que é usada. Sempre. Palavras mais racistas são, de fato, aquelas usadas para agredir.
Evidentemente, não haverá lei que mude isso. A propagação desse pensamento cessará à medida que os falantes percebam o quanto ferem seus semelhantes usando-a. Uma cartilha, como a do Politicamente Correto, proposta há alguns anos, não muda a situação, que é um problema cultural.
Deve-se pensar na intenção do que se fala. A intenção, sim, pode ser a maior prova de um povo racista, dizendo haver sido serviço de preto uma tarefa mal executada. Mas não só. O olha a cor do cara que se ouve dito baixinho, aqui e ali, motivo de riso, é também a cruel marca de um povo racista. Pior ainda: a aceitação social a esse tipo de brincadeira(?) se dá de tal forma que legitima o ato. E o racismo.
E mais: diferente de tantas outras expressões tratadas aqui, essa é bem recente. E mostra que nossa herança racista não se manifesta somente em resquícios da escravidão (como o feito nas coxas) : produz filhotes todos os dias e está aí para quem quiser – ou puder – ver.
Se os escravos tiveram participação importante na formação de muitas expressões populares, o que dizer da Igreja? Desde santo do pau oco (cf. DLP 5), sobre os santos usados para o tráfico de mercadorias, até o famoso conto do vigário, muitos são os ditos populares que tratam do tema.
Conto do vigário, por exemplo, segundo a tradição, diz respeito a uma disputa entre duas paróquias. Cada uma delas desejava receber uma imagem doada à comunidade, mas só uma poderia tê-la. Dois vigários então concordaram em deixar que a mão de Deus decidisse. Amarraram um burro entre as duas paróquias e aquela para qual ele fosse receberia a imagem. O caso virou conto do vigário quando se descobriu que o vigário houvera treinado o animal para que se dirigisse a sua igreja.
Trazer apenas ditados que critiquem membros da instituição pode até ser divertido – e é... –, mas é melhor deixar à Bússola Dourada a tarefa das críticas. Até porque, esse assunto vai tão longe que é possível chegar ao lugar onde Judas perdeu as botas. A expressão, bem mais recente, é (talvez) uma brincadeira com as imagens de Judas Iscariotes, o famoso traidor de Jesus. Recentemente revisitado em seu “Evangelho”, Judas nunca usou botas (que só surgiram na Idade Média). Freqüentemente, quando há sua representação com tais calçados, o objetivo é indicar os muitos caminhos da Terra por onde caminhará até o dia do Juízo Final. Essa é, por sinal, uma das muitas lendas que coincidiram com a cristalização da lenda de Drácula (cf. Lendas Urbanas...). Muita gente não acredita nisso. Outros, só acreditam vendo... (cf. BOX SANTOMÉ).


BOX São Tomé
Esta expressão, Só acredito vendo, tem raiz na Bíblia, em João 20 (24-29), quando São Tomé (do aramaico Tau'ma, gêmeo – e é melhor nem se perguntar por quê...), ao encontrar com os outros discípulos de Jesus, que lhe contaram sobre a ressurreição de Cristo, disse “Se não vir nas suas mãos o sinal dos pregos, e não puser o dedo no lugar dos pregos, e não introduzir a minha mão no seu lado, não acreditarei!”. O relato bíblico desse passo termina com o comentário de Cristo acerca da crença de São Tomé: “Porque me viste, acreditaste. Felizes os que não viram e acreditam...”.

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