sexta-feira, 7 de maio de 2010

Dar trabalho e receber salário

"Maldito é o solo por causa de ti! Com o sofrimento dele te nutrirás todos os dias da tua vida. Com o suor do teu rosto comerás teu pão, até que retornes ao solo, pois dele foste tirado. Pois tu és pó e ao pó tornarás." (Gen, 3:17-9)

Após ler Gênesis, tem-se a impressão de que o trabalho não começou bem. O trabalho foi a primeira punição. “A prova de que o destino do homem era a vagabundagem é que Deus só falou em trabalho depois que o home comeu a maça”, escreveu Millôr Fernandes, em A Bíblia do Caos. Millôr brinca um pouco mais. Ao trecho Com o suor do teu rosto comerás teu pão, até que retornes ao solo, pois dele foste tirado, completou: "E todo mundo come o pão com o suor do padeiro".
Do francês travailen (por volta de 1300 d. C.), em 1375 travel significava “viagem”. Originalmente, seu significado era “to toil, labor”, “trabalho”. Em inglês ainda há travail, também vindo do francês (por volta de 1250 d. C.), significando “tormento”, “sofrimento” e “problema”. A explicação parece ser a dificuldade de se fazer uma viagem durante a Idade Média. Qualquer viagem seria sofrível, penosa, dolorosa, quase uma tortura por meio do Tripalium.
Tripalium, literalmente “três paus”, era um instrumento usado para torturar. Ao menos é isso o que afirmam os estudiosos acerca desse instrumento sobre o qual muito pouco se sabe. Há quem diga que se trata de três estacas sobre as quais se rasgavam a casca das espigas de milho. Alguns dizem que as estacas podiam ter pontas de ferro. Para a maioria, contudo, trata-se de um instrumento composto de três estacas usado para tortura. Muito mais do que isso não se sabe, a não ser que o tripalium pode ter sido a origem de trabalho. Não trabalhar é algo que merece punição. Ao menos um puxão de orelhas.

Adoniran, em Conselho de Mulher, dá uma outra idéia para a origem do trabalho:
"Quando Deus fez o homem/ Quis fazer um vagolinho que nunca tinha fome/ E que tinha no destino/ Nunca pegar no batente/ E viver folgadamente/ O homem era feliz enquanto Deus ansim quis/ Mas depois pegou Adão/ Tirou uma costela e fez a mulher/ Desde então o homem trabalha pr'ela/ Vai daí, o homem reza todo dia uma oração: 'Se quiser tirar uma coisa de bão/ Que me tire o trabalho/ A mulher não'/ Progréssio, Progréssio/ Eu sempre escuitei falá/ Que o progréssio vem do trabaio/ Então amanhã cedo nóis vai trabaiá/ Progréssio/ Quanto tempo nóis perdeu na boemia sambando noite e dia/ Cortando uma rama sem parar/ Agora escuitando os conseio da mulhé/ amanhã vou trabalhar/ se Deus quiser/ (breque) Mas Deus não qué". (Conselho de mulher - Adoniran Barbosa, Oswaldo Moles e João B. Santos, 1953)
Esse pensamento não está completamente infundado – espera-se que as feministas aguardem um pouco até o fim da sentença... – porque traz à luz uma idéia muito particular ligada ao trabalho: encrenca, cansaço, problema. No Houaiss, uma das idéias ligadas a essa palavra é “dar trabalho” (uma das 28 acepções, vale lembrar). Mais uma vez, um trabalho visto negativamente.
Mas não é sempre assim: Vergílio diz que "o trabalho perseverante vence todos os obstáculos."; para Fernando Soares, "o trabalho é o grande libertador do homem; só a ociosidade o escraviza.". Quanto a Voltaire, "o trabalho nos livra de três grandes males: o tédio, o vício e a pobreza.", algo tão importante quanto para Sêneca, para quem “o trabalho é o alimento das almas nobres”. Encontrar citações sobre o trabalho é uma das tarefas mais fáceis do mundo, já que, certamente, todo mundo, alguma vez, já falou sobre isso. Quase sempre sem grande entusiasmo, como o fez Lincoln, ao dizer "Meu pai ensinou-me a trabalhar, mas não me ensinou a amar o trabalho.".
É evidente que a maneira como cada um interpreta o trabalho depende de vários elementos. A ideologia que cerca uma sociedade tem inegável papel (e culpa) nisso. E é por isso mesmo que o desempregado se sente mal, sente-se inferiorizado, culpado até, pois não faz parte do mercado. Culpado por não trabalhar muito, ganhar pouco e sobreviver com uma parcela ínfima do valor de sua produção. Por isso mesmo “aqueles que não precisam de trabalhar chamam o trabalho de virtude para enganar quem trabalha.", disse Santiago Rusiñol y Prats (1861-1931), escritor, pintor e ator espanhol.

EXPRESSÕES DO TRABALHO

Trabalha o feio para o bonito comer
É o que se diz quando há injustiça. Tem significado semelhante a “os tolos constroem as casas e os sábios moram nelas” e “o prato não é para quem o faz, mas para quem o come”.

Trabalhar como mouro / trabalhar como escravo
Durante a reconquista da Península Ibérica, vários mouros foram submetidos ao cativeiro e à escravidão. Presos, realizavam trabalhos forçados.

Trabalho das parcas
Na mitologia grega, as três parcas (Cloto, Láquesis e Atropos) teciam a trama da vida humana.

Trabalho de Sísifo
Também na mitologia grega há a história de Sísifo, rei de Corinto e filho de Éolo, deus dos ventos. (Há versões em que seria pai de Ulisses e filho de Autólico). Sísifo teria sido um péssimo exemplo de governante: tirano, corrupto, avarento. Por isso, fora condenado, no mundo das sombras, a pagar por seus crimes na superfície. Deveria rolar uma enorme pedra até o topo de uma montanha. Ao chegar lá, a pedra escorregaria e desceria, para ser novamente rolada até o topo. Assim o castigo não teria fim.

Trabalhar para o bispo
Aqui o trabalho não tem o significado exato de punição, mas o de tarefa. Pior: tarefa sem recompensa. Para essa expressão há diversas variações. João Ribeiro, em Frazes Feitas, diz originar-se na Idade Média essa expressão, irmã de trabalhar para o rei da Prússia (travailler pour le roi de Prusse) e pescar para o cônsul (pescare pel consul), cujos siginificados sempre coincidem com “trabalhar sem receber” ou “trabalhar sem lucro, sem glória”.

Ditos populares:
Madruga e verás; trabalha e terás.
Quem não trabalha, não come.
Quem se mete em atalhos não se livra de trabalhos.
Só trabalha quem não sabe fazer mais nada.
Trabalho dá saúde.
Trabalho de menino é pouco, quem não o aproveita é louco.
Trabalho não mata ninguém.
Trabalhando só pelos bens materiais construímos nós mesmos nossa prisão.


ORELHA

Machucar as orelhas é uma das punições mais antigas. Lê-se, na Bíblia, o caso de um escravo que teve sua orelha furada para mostrar indicar que era escravo (Êx., 21,6). Conta-nos Câmara Cascudo, em seu Locuções Tradicionais do Brasil, que em Roma os depoentes eram arrastados ao tribunal pela orelha, e que na Espanha já foi costume cortar as orelhas dos ladrões.

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