sexta-feira, 5 de novembro de 2010

A rua, à rua, bem no meio da rua

Há quem critique o uso do “à” com os verbos morar, residir, situar, localizar etc.. E o faz com alguma razão. Além disso, encontra em Napoleão Mendes de Almeida respaldo. E, em certa medida, no Houaiss: se se observarem as entradas desses verbos, os exemplos sempre trazem a preposição em.

Há uma série de gramáticos que defendem o uso do em em vez do a, mas há outra imensa lista que defende o contrário. Há até um ou outro que defende o uso apenas do a, e sobre esses cabe uma palavrinha.

O argumento principal é o de que “morar à rua” é “morar junto da rua”, enquanto “morar na rua” é “morar no meio da rua”. Não é bem assim.

É claro que a mudança das preposições implica, muita vez, alteração de sentido. Criança de rua e criança na rua são duas coisas diferentes. Estar de cama e estar na cama também.

Entretanto, no caso do em/a, o sentido é muito pouco modificado – se realmente o for. A tradição exige em. Indica lugar, não é mesmo? Napoleão (é... estava demorando) traz uma explicação (como sempre) curiosa e pautada em analogias (em seu Dicionário de Questões Vernáculas):

“Se ‘morar na rua Tal’ significa ‘morar no meio da rua’, não poderá ninguém, por coerência com essa pândega [sic!] doutrina, construir: ‘Tenho escritório no largo da Concórdia’, ‘Tal livraria fica na praça da Sé’, ‘Fulano mora na avenida Paulista’. Imaginem-se estas criações parisienses: Tenho escritório ‘ao’ largo da Concórdia, moro ‘à’ avenida Copacabana, tal livraria fica ‘à’ praça da Sé, não existe farmácia ‘a’ esta rua.” (s.u.).

Em contrapartida, o Dicionário de Verbos e Regimes, de Francisco Fernandes, cita Silveira Bueno: “E tomamos a resolução e jamais dizer que a frase corrente: resido à Rua Tal, seja galicismo. ” (s.u., grifo nosso).

O comentário de Bueno coincide com o de Napoleão sobre o galicismo. Na origem, a construção é, sim, um francesismo, e permanece, mais frequentemente, na linguagem jurídica ou técnica. Dificilmente se ouve “moro à rua” no dia a dia. E é uma construção análoga à famosa “àquela hora, estava em sua casa”.

Embora ainda restem defensores do em, pobrezinho do em, fica a impressão de que aquilo que foi galicismo hoje está incorporado. E é bem comum. No fim das contas, mora à rua quem quer.

Tenho certeza de que o Prof. Mané, do Intergraus, resolveria a questão com seu famoso “pode, mas tá errado”. Enfim... Pode usar o à? Pode, mas não deve. E se usar? Tudo bem, não está errado — há uma dezena de especialistas que defendem o uso. Alguém pode torcer o nariz, mas... fazer o quê? É feio, mas tá na moda.

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